O Papel da Música na Adoração
Elias Tavares e Levi de Paula Tavares
"Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em
verdade." (João 4:23-24)
O contexto bíblico do texto acima é a
conversa de Jesus com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó. Havia surgido
uma questão interessante com respeito à adoração, pois os judeus ensinavam que o
Templo em Jerusalém era o único local em que o verdadeiro Deus podia ser
adorado. Porém os samaritanos, que não se davam com os judeus (e vice-versa)
desde a reconstrução de Jerusalém nos tempos de Esdras e Neemias, criam que o
verdadeiro Deus podia ser adorado em outros lugares, como por exemplo, no
templo que haviam erguido no monte Gerizim, não sendo necessária a longa e
desconfortável viagem até Jerusalém para isto. Esta foi a questão levantada
pela mulher samaritana.
Jesus respondeu que o lugar físico é
irrelevante. Para Deus a adoração pode ocorrer em qualquer lugar, desde que
seja "em espírito e em verdade". Lido o texto total, aparece esta
maravilhosa verdade, que nos surpreende que não tenha sido dirigida a nenhum
líder judeu, mas a uma simples mulher samaritana. A diferença e que ela buscava
a verdadeira adoração, apesar de sua vida; não estava satisfeita com o que
tinha, e a ela Jesus deu a luz adicional que ela buscava.
Talvez precisemos aprender esta lição
em nossas vidas, em nossas disputas e argumentações, muitas vezes polêmicas,
até mesmo sobre o próprio tema da música sacra e a adoração. Na troca de
opiniões e argumentos só recebe luz quem está disposto a aprender e não apenas
a afirmar suas posições.
Como podemos ver a partir do texto
acima, a adoração não tem nada a ver com música que toca as pessoas. Tem a ver
com a atitude de pessoas que foram tocadas por Deus. Tem a ver com a nossa
condição individual. Tem a ver com a transformação que permitimos que o
Espírito Santo opere em nossa vida e nossa mente. Jesus está falando da
adoração pessoal e íntima, e isto nada tem a ver com música para influenciar os
outros, embora uma vida transformada seja, efetivamente, uma influência.
Devemos ter muito cuidado com o
argumento que a música precisa tocar o coração das pessoas. Temos visto muitas
pessoas "tocadas" pela música tomarem decisões e realizarem ações as
quais sabemos que Deus não aprova, sobre as quais não está o Seu selo. Ellen G.
White nos diz: "Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos
que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado
operação do Espírito Santo. (...) As forças das instrumentalidades satânicas
misturam-se com o alarido e barulho, para se ter um carnaval, e isto será
chamado de operação do Espírito Santo." (Mensagens Escolhidas, vol. 2 pp.
36 e 37)
Vemos então que manipulação emocional
não é adoração. Não encontramos, em lugar algum da Bíblia, nenhuma música
tocando as pessoas. Não vejo em lugar algum da Bíblia a busca por uma adoração
emocional, mas sim a adoração "em espírito e em verdade", e o
estímulo ao "culto racional", fruto de uma "renovação do
entendimento" (Romanos 12:1-2). Os exemplos que encontro no Velho
Testamento, e que mais se aproximam de um culto emocional, agitado, "quente"
como querem alguns, são o sacrifício dos profetas de Baal no Monte Carmelo e a
adoração do bezerro de ouro, ao pé do Monte Sinai. Ellen White reafirma de
forma veemente esta verdade bíblica, ao dizer que "Uma religião que
permite aos homens, enquanto observam os ritos do culto, entregarem-se à
satisfação egoísta ou sensual, é tão agradável às multidões hoje como o foi nos
dias de Israel. E ainda há Arões flexíveis, que ao mesmo tempo em que mantêm
posições de autoridade na igreja, cederão aos desejos dos que não são
consagrados, e assim os induzirão ao pecado." (Patriarcas e Profetas, pág.
317)
Porém, mesmo afirmando crer nessas
verdades, nós continuamos buscando uma religião e um culto que nos emocionem. E
com relação à excitação das emoções, e à satisfação da natureza carnal,
encontro textos como "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e
perverso; quem o conhecerá?" (Jeremias 17:9) e "Há um caminho que ao
homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte" (Provérbios
14:12).
O verdadeiro culto nos santifica, nos
faz pensar, e não chorar. Tampouco existe na Bíblia algum exemplo de música que
possa "comover e levar as pessoas aos pés de Jesus", mas existe
música entoada por corações transformados. A música da Bíblia é de gratidão, adoração
e louvor, não de evangelismo. O único meio apresentado na bíblia para o
evangelismo é a pregação.
Qual é, então, o propósito da música?
Ela tem dois propósitos principais: 1) Adorar e glorificar a Deus; 2) Edificar
e fortalecer os cristãos. A Palavra de Deus diz, "Falando entre vós em
salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no
vosso coração." (Efésios 5:19) "A palavra de Cristo habite em vós
abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos
outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça
em vosso coração." (Colossenses 3:16).
A música sacra não tem,
necessariamente, o propósito de trazer os perdidos para Cristo. Ela é,
primariamente, uma forma de adoração e louvor a Deus. Na verdade, a música
sacra não é destinada para o mundo. Ela deve ser usada pelos filhos de Deus
para adorar e louvar a Deus. Deus não prescreveu que a música deve ser usada
para ganhar os perdidos; para isso prescreveu a pregação. "Visto como na
sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a
Deus salvar os crentes pela loucura da pregação" (I Coríntios 1:21).
Mas, para compreendermos mais
profundamente o papel da música na adoração, temos que nos aprofundar no próprio
conceito da adoração. Uma definição bastante apropriada do conceito de adoração
é a seguinte: "Adoração é uma reação ativa a Deus, pela qual declaramos a
sua dignidade. A adoração não é passiva, mas sim participativa. Adoração não é
simplesmente um clima; é uma reação. Adoração não é apenas uma sensação; é uma
declaração" (Allen/Borror, Teologia da Adoração - pág. 16).
Note a ênfase que esta definição dá às
ações por parte do adorador, ações estas que podem ser classificadas como sendo
de glorificação, exaltação, mas também como sendo de serviço e testemunho. Este
é o verdadeiro espírito da música de adoração. De acordo com esta definição, a
adoração é tudo o que acontece depois que eu compreendo quem é Deus, o que Ele
fez por mim, decido entregar completamente a minha vida a Ele e permito que o
Espírito Santo atue na transformação da minha natureza interior.
Assim, embora propósito primário da
música sacra não seja o de atrair os não-salvos para o Senhor Jesus, o nosso
testemunho o faz. É claro que quem atrai é Jesus (João 12:32), mas através do
meu testemunho, estou dizendo ao mundo que "Cristo vive em mim"
(Gálatas 2:20); e esta vida de testemunho, inclusive através da música, atrai,
por meio de Cristo, aqueles que "são chamados segundo o Seu
propósito" (Romanos 8:28).
Jesus nunca nos enviou a cantar ou
tocar, mas a testemunhar. Se o canto e a música são o testemunho de um coração
convertido que se expressa com puro louvor e que adora a Deus “em espírito e em
verdade”, este testemunho se converte em verdadeira pregação. O problema é
confundir conseqüência com causa. Não se canta para atrair os pecadores (esta é
função de Cristo), mas se canta porque se foi atraído. Testemunhar significa
contar o que você presenciou ou o que aconteceu com você, e isto pode ser feito
através do canto. O que deve ter poder é o testemunho e não o canto. E este
canto nunca poderá ser diferente do canto de adoração, porque ele é,
efetivamente, adoração.
Estamos, então, dizendo que não devemos
usar a música no evangelismo? Não, mas estamos dizendo que o enfoque bíblico da
música não é esse. E talvez a grande maioria dos nossos problemas com a música
resida no fato de que, atualmente, estamos mais preocupados em fazer música
para atrair e emocionar que para adorar. E, desta forma, nos afastamos
totalmente do modelo bíblico, e isto nunca poderá ser aprovado por Aquele que
inspirou este modelo.
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